A aprendizagem híbrida e os novos passos da educação jesuíta
Período de quarentena apresenta novas ferramentas para as práticas de aprendizagem.

A aprendizagem no Brasil começa com a chegada dos primeiros jesuítas dirigidos pelo padre Manoel da Nóbrega, em 1549. Os jesuítas aplicaram um método pedagógico chamado modus parisiensis, com exercícios escolares e mecanismos de incentivo ao aprendizado, estabelecendo de forma pioneira no país a distribuição de estudantes em turmas da mesma idade e com o mesmo nível de instrução.
De lá para cá, muita coisa mudou, a tradição jesuíta perdurou e diversos avanços tecnológicos impactaram o ambiente escolar. E então veio 2020, com o período de quarentena, o distanciamento social e o estabelecimento do aprendizado remoto, com noções rotineiras de troca de saber modificadas: sai o presencial e momentaneamente se deslocam as práticas pedagógicas para o digital. Muda-se temporariamente “o espaço da aula”. “As mudanças pelas quais a sociedade passou nas últimas décadas nos levaram a demandar uma nova escola”, define o historiador e educador Glauco de Souza Santos em “Espaços de Aprendizagem”, capítulo do livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação. E isso antes da pandemia do novo coronavírus.
A obra de 2015, organizada por Lilian Bacich, Adolfo Tanzi Neto e Fernando de Mello Trevisani, de modo geral, apresenta uma série de propostas e reflexões na direção de entender esta nova realidade de ensino: estudantes hiperconectados, novas plataformas de aprendizagem e agora o desafio de seguir o compartilhamento de saber em um contexto em que a presencialidade não é possível. “Precisamos cada vez mais pensar o que é esse jovem, esse nativo digital, em processo de aprendizagem”, alega Fernando Guidini, diretor acadêmico do Colégio Medianeira.
O Medianeira, integrante da Rede Jesuíta de Educação, instituição presente no mundo há quase 500 anos, caminha na direção da educação híbrida, conceito que converge diversos espaços, tempos, atividades, metodologias e públicos, de acordo com a definição do professor e pesquisador de inovações José Moran. “O ensino é híbrido porque todos somos aprendizes e mestres, consumidores e produtores de informação”, defende Moran no capítulo “Educação híbrida: um conceito-chave para a educação”. Ser híbrido, aqui, passa longe do virtual pelo virtual ou da desumanização dos processos. Recoloca-se o projeto de vida de cada ser humano no centro do processo educacional, respeitando o ritmo e o estilo de aprendizagem de cada estudante.
Para dar continuidade e o suporte pedagógico necessário para estes novos tempos, o Colégio disponibiliza uma série de espaços on-line para o aprendizado do estudante, a partir do portal da instituição. O principal ambiente digital de aprendizado chama-se Moodle, que oferece a possibilidade de acessar cursos e atividades, uma espécie de caderno digital. Por lá, os professores compartilham, solicitam atividades e desenvolvem as matrizes curriculares, trabalhando conteúdos e aprendizagens.
De acordo com Rosiclea Mariano Camargo, gestora do setor de Informática Educacional, por meio desta ferramenta, os estudantes e professores estabelecem um processo cada vez mais qualificado de lecionar e aprender. “Objetivamos qualificar os processos de aprendizagens dos estudantes, inovando as práticas do corpo docente em conjunto com as novas metodologias das tecnologias digitais”, alega.
No Microsoft Teams, as “novas salas de aulas” ou ambientes de aprendizagem, os educadores ministram as aulas em tempo real e permanecem em contato com os estudantes. A maior parte das aulas ficam disponíveis em streams, uma área restrita do pacote da Microsoft Office 365, com conteúdos gravados e que podem ser acessados a qualquer momento pelos estudantes. Cada aluno matriculado recebe um email institucional para acessar todo o conteúdo e ainda recebe informes periódicos por meio do aplicativo ClipEscola, espécie de agenda digital, para acompanhar o calendário escolar e os avisos dos professores e da instituição.
“Todo esse ambiente já existia como suporte”, define Rosiclea Mariano de Camargo, gestora do setor de Informática Educacional. “A importância das tecnologias digitais para os estudantes de hoje, seja disponível em plataformas ou por aplicativos, revela que cada vez mais precisamos nos conectar às ferramentas digitais para levar conhecimento e aprendizado aos estudantes do futuro”, esclarece.
Em A Escola na Pandemia: 9 visões sobre a crise do ensino durante o coronavírus, um dos mais recentes estudos sobre o impacto da pandemia na vida do professor contemporâneo, Gustavo Borba, diretor do Instituto de Inovação na Educação da Unisinos, delineia em seu artigo seis fatores para lidar com o “novo normal”: capacidade de compreensão do aluno para além da aula; flexibilidade e adaptação; escuta ativa e protagonismo do aluno; poder da criatividade; colaboração com outros professores e comunicação.
São fatores desafiadores tanto no aspecto das limitações sanitárias quanto no que tange às mudanças repentinas nas relações entre educadores e estudantes. “Aprendemos com a tradição e com a experiência da proposta pedagógica jesuítica, e de como os jesuítas compreendem e respondem aos desafios do seu tempo”, defende Guidini. “Nesse sentido, o que estamos vivendo é um processo gradual que se acelerou em virtude da pandemia. A tecnologia é meio, integrando pessoas e aprendizagens, ajudando-nos a ressignificar a presencialidade da sala de aula”, completa.