José Lorenzatto: ao mestre, com carinho
A trajetória do educador, cuja história se confunde com a do Medianeira, é motivo de orgulho para a nossa comunidade educativa.
O ano era 2004, e o tlec-tlec da máquina de escrever denunciava que José Lorenzatto estava, naquele exato momento, trabalhando em etiquetas para os livros e revistas da biblioteca, cujo acervo ele próprio ajudou a comprar por meio da venda de pipoca, no recreio, no final dos anos 1960. A iniciativa foi uma estratégia criada juntamente com os professores Edgar Werlang e P. Bruninho para vencer uma crise que impedia a aquisição de novas obras literárias.
Os computadores já haviam se transformado em uma coqueluche – a internet não significava mais o distante sonho futurístico de ficção científica – e, ainda assim, Lorenzatto – que chegou como jesuíta ao Medianeira em 1968, em um táxi extremamente vistoso, um Ford Galaxy, que para o P. Dionysio Seibel seria “o prenúncio das suas atividades no Colégio” – preferia o som metálico da sua antiga companheira, uma IBM branca, ao insípido bater de teclas dos PCs. Aquela era a sua segunda passagem pelo Colégio. Do fim da década de 1960 a 2001, trabalhou como professor de Educação Moral e Cívica, Religião, História, Coordenador do Ensino Médio, à época chamado de Segundo Grau, e um dos grandes articuladores para que a escola se tornasse referência em um ensino com foco no pensamento crítico e nas relações humanas.
A memória de Lorenzatto não vive somente dentro dos muros do Colégio. O professor, que se tornou nome de rua no Cajuru, é ainda um exemplo para os educadores que seguem a sua missão de fazer do estudante o protagonista de sua vida acadêmica e profissional. Líbera Venturelli relembra o amigo pela fé que tinha nas pessoas – principalmente nos jovens – e pela devoção ao saber. “A profissão de professor era uma continuidade”, comenta, ressaltando a lição deixada, e arremata: “para Lorenzatto a maior realização do magistério era contribuir para o crescimento do aluno”.
Não é difícil imaginar que tamanho fervor pelas aprendizagens seja uma herança de sua história pessoal. Gaúcho do atual município de Marau, a 40 minutos de Passo Fundo, José Lorenzatto nasceu em 3 de dezembro de 1930 e era 9º dos 15 filhos de um casal de agricultores. Entre os dias congelantes ou de calor intenso que enfrentava para ir a pé até a escola e para trabalhar na lavoura, o menino guardava as manhãs de domingo para a missa – empreitada que o fazia levantar às 3h da madrugada e caminhar 26 quilômetros.
No município, fundado por imigrantes italianos provenientes, em sua maioria, da região do Vêneto, da Lombardia e de Trentino, a escola pública era constituída de uma única sala na qual estudavam todas as séries, e o quadro-negro o único material didático disponível para aquelas crianças. Naqueles tempos, estudar era uma opção para poucos, por isso, aos 11 anos, deixou a família para ingressar na Escola Apostólica, em Salvador do Sul, cidadezinha na Serra Gaúcha. O contraste de sua nova sala de aula – ampla, arejada, com muitos professores e iluminada graças à rede elétrica – o marcaria para sempre.
Aquele seria seu primeiro passo para a trajetória religiosa. Muito jovem, Lorenzatto aprendeu grego e latim, línguas que seriam fundamentais para os seus estudos na vida adulta, em especial a Teologia. Durante os anos posteriores à sua formação como jesuíta, passou um ano na cidade fluminense de Volta Redonda – onde teria uma experiência de estudos e espiritualidade –, viveu em São Paulo, onde morou junto com o P. Quevedo – sacerdote que ficou famoso por desvendar “mistérios sobrenaturais” na TV e com quem publicou alguns livros de parapsicologia – e, posteriormente, viajou por países da América do Sul e Central, passando pelo Colégio Catarinense, em Florianópolis, até chegar a Curitiba, onde estava designado para uma instituição recém-fundada pela Companhia de Jesus no Brasil. “Conheci o Medianeira como uma criança de 10 anos”, disse certa vez em entrevista à revista do Colégio e publicada em agosto de 1997.
Logo nos seus primeiros anos, Lorenzatto ajudou a dar cara ao Colégio – e não apenas nas iniciativas pedagógicas e acadêmicas. No final da década de 1960 e no início dos anos 1970, quando a BR-116 ainda estava em fase de construção, os planos eram de que a rodovia deveria ser uma linha reta partindo do viaduto da Avenida Marechal Floriano. Na prática, significaria, como explicou Lorenzatto, “roubar um bom pedaço do terreno” do Medianeira.
A alternativa encontrada para barrar esse avanço foi a construção de uma torre de quatro andares, localizada onde hoje é o prédio da biblioteca. Anos mais tarde, para destruir a artimanha de engenharia foi chamado o senhor Faustino, que colocou a construção abaixo com uma marretada em um dos pilares. “Foram frações de segundo de barulho e pó e, do meio do pó, surgiu o nosso ‘dinamitador’ são e salvo”, relembrou Zé.
Lorenzatto foi o duplo do Medianeira: ambos combativos e instigados na luta para fazer do mundo um lugar mais justo. Fosse entre os colegas de trabalho, com a família ou com os estudantes, era considerado por todos como um sujeito sereno, paternal e acolhedor. “Recebíamos muitos conselhos dele, como coordenador e como amigo”, relembra Olindo Baggio, sempre-educador de Química do Terceirão e para quem a amizade rendeu muitas festas e almoços regados ao típico frango com polenta italiano ou ao bom churrasco gaúcho.
O cuidado com o outro tinha, porém, as suas peculiaridades – uma meticulosidade muito característica, como assinatura de si. Todos os dias, antes que tocasse a sineta anunciando o fim do recreio, Lorenzatto passeava pela sala dos professores chacoalhando um chaveiro, advertindo que já era hora de se colocar a postos para o retorno à aula. Havia, naquele gesto simples e quase prosaico, um misto de ironia e ordem, como um comandante bonachão.
Lorenzatto e uma de suas paixões: a bocha. Foto: Arquivo Pessoal. Em 1970, quando a primeira turma – a cursar da Educação Infantil ao Ensino Médio, chamados então de Jardim da Infância e Científico – se formou, o Medianeira deu início às matrículas para meninas, tornando o Colégio misto. Com essa nova dinâmica, a escola contratou a professora Luci de Almeida, que havia deixado há pouco o convento, para que fosse a responsável do Fundamental I.
Ao mesmo tempo que trabalhava no Medianeira, a educadora cursava Pedagogia na PUC – uma das três faculdades que estudou ao longo da vida. Com sérias dificuldades em uma das disciplinas, Luci foi orientada por colegas a procurar um professor para ajudá-la em um trabalho de Inglês. O professor era José Lorenzatto.
Apesar de trabalharem no mesmo colégio, eles ainda não se conheciam. Instigado pelo pedido de ajuda, ao invés de auxiliar Luci, Lorenzatto fez todo o trabalho, alcançando a nota máxima. “Ele sempre ajudava a minha mãe nas coisas da faculdade”, comenta o filho do casal, José Carlos Lorenzatto, “e a amizade entre os dois começou a crescer”.
A partir daquele momento, sem que ninguém soubesse, Lorenzatto deixava todos os dias flores na gaveta de Luci que, quando chegava para trabalhar, se deparava com o presente anônimo. “Ela não sabia quem fazia aquilo e nem imaginava quem poderia ser”, revela Lilian Lorenzatto, filha de Luci e Zé. Quando, finalmente, descobriu o autor, foi preciso muita conversa para que o futuro casal decidisse pelo noivado.
Entretanto, demoraria ainda dois anos para que o então sacerdote conseguisse o desligamento da Companhia de Jesus e pudesse se casar, cerimônia que só aconteceria em 1976. Zé Carlos ressalta, entretanto, que somente após a autorização do Papa João XXIII Lorenzatto e Luci engataram o namoro. A resposta do Papa à carta de Luci, que ela escrevera de próprio punho, está guardada até hoje como uma relíquia da família.
Ainda que houvesse abandonado o sacerdócio, Lorenzatto levaria consigo para sempre os valores cristãos. Foi da sua experiência religiosa que herdaria o culto ao respeito irrestrito e ao diálogo, características que o filho observa como a essência do pai e que ajudariam a guiar a família que se formava naquele encontro de vidas, almas e missões.
O Colégio, àquela altura, já havia se transformado em sua segunda casa. “O meu pai nunca viu o Medianeira como um trabalho”, relembra Zé Carlos, “era algo muito maior”. Da união entre Luci e José nasceriam Lilian, José Carlos e Thaís.
O seu desígnio de colocar-se a serviço dos demais fez com que fosse um dos organizadores do Grupo de Escoteiros do Colégio Nossa Senhora Medianeira (GENSM). Fundado em 1971, o movimento é um dos pioneiros no Paraná. Conhecimento, disciplina e idealismo formavam a tríade que orientava José Lorenzatto em suas ações mais cotidianas. Avesso às tecnologias que bloqueariam as relações entre as pessoas, Lorenzatto acreditava que, para agir, era necessário estar cara a cara com o outro. “É preciso mudar as estruturas sociais que oprimem, marginalizam”, comentava sobre o dever do educador e da escola.
Em um tempo no qual o ensino, muitas vezes, se resumia à lição na lousa, Lorenzatto já vislumbrava a importância de criar laços na comunidade educativa. O professor não poderia ser aquele que somente se postava em frente à turma. Era preciso ser amigo, e colocar-se à disposição do movimento de retroalimentação no qual os elementos principais – professor e aluno – deveriam estar em simbiose. “Ele era um homem de ação”, define Líbera.
Tal desejo de ruptura e o desapego às amarras permitiram que estivesse no grupo de educadores que viabilizou a construção do Campão – em que hoje acontecem as provas de Atletismo e de Futebol – e dos ginásios de esporte – um “complexo esportivo invejável”, como definiria –, além de ter lutado pela aquisição da chácara de Piraquara, atual Centro de Educação Ambiental (CEA), local onde chegou a acampar por oito dias, tempo suficiente para descobrir a nascente do Rio das Pedras e abrir um caminho na mata que o levaria até os destroços de um “avião que caíra na Serra do Mar”.
Lorenzatto ficaria orgulhoso se tivesse testemunhado a transformação da chácara, em 2011, em uma grande sala de aula a céu aberto e, três anos mais tarde, em Reserva Particular do Patrimônio Natural pelo Instituto Ambiental do Paraná. O CEA, com seus 2 milhões de metros quadrados, é formado por duas propriedades. A primeira, adquirida em abril de 1957, chama-se Sítio Nova Tirol e Cambajuva. A segunda área, doada por pessoas próximas a Lyzimaco Ferreira da Costa, é o Sítio Rocinha, que integra o patrimônio do Medianeira desde setembro de 1984 e possui quase 90% de sua extensão coberta por vegetação de mata nativa.
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Lorenzatto fora um sujeito múltiplo. Para alguns, era apenas Professor. Para outros, Lorenzatto. E para muitos, o Zé. Conciliador desde seu espírito, o educador era uma figura de calmaria que, nas reuniões com coordenadores e professores, escolhia sempre o mesmo lugar para se sentar. Chicho, a quem poucos conhecem pelo nome no RG, Francisco Rehme, guarda na memória os inúmeros encontro em que, no meio do alvoroço, testemunhara o silêncio do amigo. Enquanto a turba discutia, falando ao mesmo tempo, mexendo-se desesperadamente, Lorenzatto se mantinha quase mudo, de braços cruzados, esperando a sua vez. E quando ela chegava, Chicho relembra, todos se aquietavam. “O Zé tinha uma capacidade muito grande de filtrar os problemas, buscar uma alternativa mais simples e encontrar uma luz”, define.
Na correria do dia a dia escolar, encontrava sempre uma brecha para exercer a Psicologia. Não a do consultório, mas aquela que aproximava as pessoas e assentava os ânimos. Quando a Mediação – criada no começo da década passada, por Cezar Tridapalli, então coordenador do Midiaeducação – ainda era um embrião, uma ideia a sair do papel para substituir a Revista do Medianeira, o primeiro entrave enfrentado fora o nome. “Estávamos a ponto de escolher o ‘menos pior’”, desabafou Tridapalli anos mais tarde em um editorial. A salvação veio de um papel datilografado por Lorenzatto que entrou, repentinamente, na reunião e pôs fim ao imbróglio.
Todos concordavam que o Zé possuía uma “inteligência maior”, como definiu Chicho, uma habilidade ímpar de perceber a pessoa – algo que Rudi Rabuske observou como sendo uma aguçada “preocupação com o outro”. Tamanha empatia – talvez a única palavra na língua portuguesa capaz de resumir tantas qualidades no que diz respeito às relações humanas – fazia de Lorenzatto, nas palavras de Rehme, “um xamã, um líder espiritual”.
Nas décadas de 1980 e 1990 era comum que os professores mais jovens fossem ao gabinete de Lorenzatto pedir conselhos – ou os recebessem como um presente pela amizade. “Uma vez”, diz Chicho, puxando pelas recordações, “eu recebi quase que um puxão de orelha. O Zé me disse: ‘você tem potencial, mas precisa controlar a ansiedade’”. De lá para cá, o professor de Geografia – que já passou pela coordenação da antiga 5ª série e, atualmente, se dedica exclusivamente ao Terceirão – não esqueceu a lição, que foi levada a cabo, inclusive, quando descobriu que seria pai. “Eu quis ser um pai como o Zé era com seus filhos”, desabafa Chicho.
A admiração está em curso de se materializar: a colina ao lado do Morro do Bruninho, no CEA, poderá se chamar Morro do Jundiá. A iniciativa, uma homenagem póstuma de Chicho, tem o seu porquê. Até mesmo, um porquê geográfico.
Jundiá, cuja origem remete ao idioma tupi-guarani, é o nome vulgar para os peixes do gênero Zungaro, chamados também de bagre-sapo. Jundiá fora também o apelido que Lorenzatto recebeu graças a uma anedota que, segundo Zé Carlos, era contada pelo pai à exaustão. “Ele falava que um dia pescou um jundiá enorme, e abria os dois braços, fazendo a pessoa pensar que o peixinho tinha mais de um metro e meio, mas ficava indicando o tamanho real do peixe entre o dedão e o indicador. Quem entendia a pegadinha, ajudava no ‘causo’, zoando os demais”, recorda Zé Carlos, que herdou o bom humor do pai.
Por coincidência, ou não, o rio que passa próximo à chácara desemboca no Nhundiaquara. Nhundia é uma variação da palavra jundiá. Aquara em tupi significa toca. Agora é só ligar os pontos.
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A visita de um padre estrangeiro no Medianeira não intimidava Lorenzatto de contar suas histórias. Durante a passagem do religioso pelas salas de aula, Zé contara o causo do dia em que foi nadar segurando uma folha de papel. Aqueles eram tempos em que o professor praticamente não era contestado pelas turmas.
Finalmente, um estudante levanta a mão.
“É impossível, professor, nadar segurando um papel. Como o senhor fez isso?” – pergunta, um tanto cerimonioso.
Lorenzatto, que em sua essência ainda era um garoto galhofeiro, sorri.
“Essas coisas a gente não pergunta”, emendou de pronto.
Todos caíram na gargalhada. E a frase logo se tornou um bordão-resposta para qualquer coisa sem coerência.
O tom jocoso era reflexo de um coração de pai. A história do Medianeira não seria a mesma sem o Zé. “Muito da minha trajetória no colégio, eu devo ao Lorenzatto”, afirma Rudi, que também aterrissou no Prado Velho na condição de jesuíta. No primeiro semestre de 1972, Rabuske atuava como professor de Ensino Religioso e Filosofia e, ainda naquele ano, assumiria a coordenação do Ensino Médio, função que abandonaria somente 8 anos mais tarde para tornar-se vice-diretor.
Não são poucos os relatos de educadores que chegaram ao Colégio pelas mãos de Lorenzatto. Roberta Uceda, Miriam Zemke, Valdemiro Ruppenthal, sempre-educadores do Colégio. A confiança que tinha naqueles que o rodeavam não o eximia de ser exigente e enérgico. “Quando precisava, dava bronca”, afirma Rudi – para quem a relação com Lorenzatto transcendia a amizade –, e arremata: “mas era de uma classe, que não ofendia ninguém”.
Em 1989, Olindo, que acabara de terminar o Mestrado, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), estava de volta ao Medianeira e à rotina das reuniões todas as quartas-feiras. À exceção, claro, da quarta-feira em que jantou com o seu orientador florianopolitano, professor Laranjeira, que estava de passagem por Curitiba. “Eu justifiquei e ele aceitou”, comenta, e emenda aos risos: “mas disse: ‘estão descontadas as suas duas horas-aulas da reunião’”. Lorenzatto fez parte da pequena confraria incapaz de cizânia até mesmo nas situações em que ela parecia iminente.
A sempre-educadora Suzana Braga, chegou ao Medianeira – como educadora – em 1995. Habitué do Colégio no papel de mãe, um dia, quando chegou cedo demais para uma reunião de pais, decidiu que tentaria uma vaga como professora no Colégio. Ao chegar ao Departamento Pessoal, no entanto, entreouviu uma conversa a respeito de uma função recém-criada e cujas habilidades seriam desenvolvidas ao longo dos próximos meses. A educadora fora a primeira Auxiliar de Coordenação e tinha como chefe Lorenzatto, que estava à frente do Ensino Médio.
Todas as manhãs, pontualmente às 9h30, Lorenzatto, Suzana, Carolina de Araújo e Francisco Faigle, o Chicão, – que também integravam a equipe pedagógica da Unidade de Ensino – tomavam café na sala dos professores. Naquele dia, 11 de setembro de 2001, Suzana não pode sair de sua sala e logo fora sacudida pela notícia do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York.
“Vai lá na sala dos professores ver o que aconteceu”, disse Lorenzatto perplexo, embora estivesse calmo. E, de pronto, Suzana se reuniu com outros professores em frente à TV para acompanhar o atentado, que deixara como saldo mais de 3 mil mortos e a mudança na relação do ocidente com o mundo islâmico.
Enquanto muitos estavam atônitos com as notícias e relatos desencontrados que chegavam – em um momento no qual a internet ainda não estava na palma da mão –, Suzana lembra de Lorenzatto observando a situação em silêncio. “Ele puxou uma análise de contexto”, busca na memória, e explica: “ele sabia que o contexto também é sujeito do conhecimento”.
No final daquele ano, Lorenzatto pediria a aposentadoria, não sem uma homenagem das turmas do Terceirão, que na formatura subiram ao palco para pedir em uníssono: “fica, fica, fica”. Isso não significava que estaria afastado do Medianeira.
De 2002 a 2003, quase todas as manhãs Zé mantinha sua rotina de acordar cedo para ir ao Colégio, tomar chimarrão com os amigos e só, então, passar o dia em casa. Lorenzatto e o Medianeira estavam em comunhão. “Ele não conseguia deixar de vir ao Colégio”, disse Lilian. A solução para aplacar a saudade da casa que o abrigou por tantos anos foi voltar.
2004 marcou o regresso de Lorenzatto ao Colégio, desta vez para trabalhar na Biblioteca. Mais importante que a função que exercia, ele estava interessado em ser mais para os demais. Entre as etiquetas que confeccionava e as plantas que aguava, Lorenzatto se dedicava a ser Magis – conceito jesuítico que significa “ser mais para si e para os outros”. Ali, permaneceria por mais três anos.
O ano letivo de 2008 começou mais triste. Lorenzatto, que sofrera um AVC logo após o Natal de 2007, não se recuperaria mais. Internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Evangélico, o professor falecera no dia 29 de janeiro. A sensação que pairava sobre o Medianeira no início das aulas é resumida por Chicho com a música “Naquela mesa”, imortalizada por Elizeth Cardoso e escrita para Jacob do Bandolim por seu filho, Sérgio Bittencourt. “A saudade dele ainda está doendo em mim”, parafraseia Rehme, cujo aniversário coincide com o falecimento do amigo. A morte do pai trouxe para Zé Carlos algumas surpresas. “A saudade se transformou em muito orgulho”, comenta. Parte desse sentimento vem daquilo que vivenciou com o pai – como as madrugadas em que acordavam para ver os raios durante uma tempestade ou das lições para a vida que aprendeu com o “velho” –, mas também do que descobriu somente depois que Lorenzatto partira. “Fiquei sabendo de muitas pessoas que o pai ajudava e que não contava para ninguém”, revela Zé Carlos, que – assim como as irmãs – se formara no Medianeira.
A sua alegria contagiante permanece com a família e com os amigos. Gabriela e Ana Júlia, filhas de Lilian, não conheceram o avô, mas perpetuam a tradição de amar as noites de chuva forte e raios, o momento de contemplar o “poder dos céus”. “Ele era um herói o tempo todo”, relembra Lilian.
De tantas lições e conselhos, acredita Suzana, o maior legado do amigo foi a empatia. “O Lorenzatto foi a pessoa mais generosa que eu já conheci. Até hoje, quando aparece uma situação difícil, eu imagino o que ele faria se estivesse comigo”.
Muito do que é o Medianeira, como a comunidade educativa o conhece hoje, é fruto de uma semente plantada em 1968 e cultivada ao longo de cinco décadas com carinho, respeito e dedicação.
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