06.09.10

O clube, a esquina, o outro e as utopias


Se você já ouviu falar no Clube da Esquina é porque provavelmente você tenha nascido há uns bons anos.

Não é o meu caso, pois nasci há pouco; porém, sou fã da internet e olha só, foi navegando que fui parar em Minas Gerais e descobri que o Milton da minha infância participou de um tal Clube da Esquina.

Pesquisando descobri que o Clube da Esquina não foi um movimento definido, não tem uma carta de fundação ou um manifesto. Foi o encontro de uma dúzia (ou um pouco mais) de jovens compositores, arranjadores, poetas, instrumentistas, reunidos em uma esquina do bairro Santa Tereza, na capital mineira, que acabou marcando um período importante da música brasileira.

Essa moçada viveu todo o período da ditadura e descobriu mecanismos próprios para lidar com a censura, com a repressão e com o sonho de  construção de um outro país. Várias de suas canções são de enfrentamento à falta de liberdade e de direitos e a palavra utopia é uma constante tanto nas obras quanto nas entrevistas.

E então me deu uma inveja deles! E achei que isso era loucura. Inveja não do medo que sentiram, mas das metáforas que fizeram para enfrentá-lo e principalmente da utopia declarada, era uma moçada que acreditava que construir outro país era possível:

Coração Civil

Quero a utopia, quero tudo e mais

Quero a felicidade nos olhos de um pai

Quero a alegria muita gente feliz

Quero que a justiça reine em meu país

Quero a liberdade, quero o vinho e o pão

Quero ser amizade, quero amor, prazer

Quero nossa cidade sempre ensolarada

Os meninos e o povo no poder, eu quero ver

Composição: Milton Nascimento e Fernando Brant

[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”] Capa do disco Caçador de Mim (1981)

Revirando mais um pouco os baús de sites, blogs, artigos, encontrei na capa do disco Caçador de Mim (Milton Nascimento – 1981), o seguinte texto:

(…)  Estão velhos ou mortos os homens

que acreditam nos homens?

Os justos estarão no fim? Não e não.

Assim como a injustiça, a violência e o ódio

se espalham e deixam seu rastro de miséria

por onde passam – a semente de amor,

dignidade e justiça que recebemos

frutifica e também estende seus braços (…).

Fernando Brant

O que me chamou atenção é que lá se vão quase 30 anos e algumas perguntas me pareceram atuais. Estão velhos ou mortos os homens que acreditam nos homens? Os justos estão no fim? Muitos dirão: –  Sim, estão todos mortos e estão mortas as utopias, vale a lei da selva, o outro é o adversário na luta pela sobrevivência. Mas será simples assim? A indiferença ao outro não nos desconstrói como sujeitos? Essa tal luta pela sobrevivência não tem sido cada dia mais solitária e por isso mais difícil, mais penosa? Não será o peso desse individualismo e da falta de perspectivas coletivas que nos tem feito cada vez mais cansados, apesar de toda a tecnologia existente para facilitar nossa vida? As utopias privatizadas da era do consumo podem trazer qualquer significado ao fazer educativo tanto na escola quanto na família?

É verdade que não temos o CÁLICE da ditadura para inspirar nossas canções e (re)ações, como tinham os meninos do Clube da Esquina (e o Chico); por outro lado temos tantas mazelas expostas e elas nos incomodam (ou não?). Adianta fechar a janela do carro ou desligar a televisão? A mundialização das informações não nos tornou universalmente responsáveis? Sabemos que ainda há milhões de excluídos, de desempregados, de analfabetos, de famintos,  de trabalhadores escravos (alguns fazendo nossas roupas em oficinas da capital paulista), e eles não estão só no Haiti ou na África. O Haiti é e pode continuar sendo aqui, ou não.

Em tempos de consumo, há quem venda utopias, mas estas são efêmeras, terminam quando chega a fatura do cartão de crédito. As que duram são construídas coletivamente, na família, na escola, na igreja, na esquina, na comunidade e geram compromisso, esperança, sentido para o caminho e para o caminhar, como diz Galeano:

Ella está en el horizonte.

Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos.

Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá.

Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré.

¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar.

Eduardo Galeano
Las palavras andantes

Juliana Heleno[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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