28.09.17

Mayco Delavy: a educação libertadora

No Medianeira desde 2009, o educador é um exemplo de excelência humana e acadêmica.

[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”] Mayco ao lado do P. Rui Rui Körbes, ex-Diretor Geral do medianeira. Foto: Paulinha Kozlowski.

Por Jonatan Silva

Mayco Delavy é orientador pedagógico dos 6º e 7º anos e apaixonado pela educação e pelo ato de educar. Sempre muito próximo dos estudantes, o educador ensina também pelo exemplo e pelo cuidado com o outro. Mayco é um sujeito pensante e, para ele, o questionamento filosófico é ponto de partida de uma existência autêntica.

Leia abaixo a entrevista completa com o educador.

Para começarmos, você poderia nos contar como foi sua chegada ao Medianeira?
Cheguei no Medianeira em dezembro de 2009, terça-feira de manhã.

Na quarta-feira já estava imerso nas novidades que me esperavam no Serviço de Orientação Religiosa e Pastoral (SOREP), à época SOR, e participando dos Conselhos de Classe que definiriam a vida dos vários estudantes da 5ª e 6ª série daquele ano.

Lembro-me com alegria, e certo desespero, das narrativas e da ordem do discurso reinante na cultura local. Sentia-me um estrangeiro. Pouco compreendia do novo idioma – o “Medianeirês”. “Estudante número 3, nome X, não atingiu os critérios 6,7,10. Apresenta defasagem conceitual…”.

Meses depois aprendi que aquele emaranhado linguístico era, na verdade, o QMA. Estava eu alfabetizando-me e sendo alfabetizado pela escola.

Uma de suas formações é em Filosofia. Muita gente acredita que a filosofia e o filósofo são alheios ao “mundo real”, mas, na realidade, é o contrário. De que maneira o questionamento filosófico pode ajudar as pessoas viverem melhor?
Sempre brinco com os meus alunos dizendo que a filosofia, sendo a mãe de todas as ciências, foi deixada no asilo às margens do banquete. Desde a sua origem o philósophos não foi compreendido em sua inteireza e estética. Na filosofia antiga vemos na anedota que relaciona Heráclito à Escrava trácia um símbolo multifacetado da relação entre a filosofia e o “mundo real”. A escrava não compreende o porquê de Heráclito, “alheio” a tudo e envolto em seus pensamentos, ter caído em um buraco.

A tradição viu nessa cena a inabilidade social do “vulgo” para compreender o filósofo e seus pensamentos profundos. Eu prefiro outro viés de análise. Prefiro pensar que a escrava, por ser escrava, teve seu direito de “pensar livremente” roubado. Daí uma boa lição: o exercício do pensamento em sociedades cuja base é a escravidão de uma parcela da população, mesmo que implícita, como no nosso sistema financeiro, é sempre um desafio restrito a determinadas classes.

Atualmente o livre pensar tornou-se sinônimo de perda de tempo e aquele que pensa passa a ser visto como um “alheio” a tudo e todos. Nada mais mentiroso.

O questionamento filosófico é o ponto de partida de uma existência autêntica. E por “autêntico”, aqui, penso apenas na tarefa de significar a própria vida. Temos a fragilidade de um caniço, nos dizia Pascal. Mas somos um caniço que pensa. E pensar nos impõe constantemente a pergunta pelo sentido. E perguntar-se pelo sentido é aceitar que podemos duvidar das nossas certezas.

Nesses tempos sombrios (Hannah Arendt [/fusion_builder_column][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][filósofa alemã judia conhecida por criar o conceito de banalidade do mal]), qual a saída mais fácil? Primeiramente, tendemos ao passado, às soluções passadas, aos caminhos já batidos. E é óbvio que o passado, por mais dolorido e/ou feliz que nos tenha sido, é o que de mais concreto se tem. Mas, o “passado” se “foi”. As soluções encontradas outrora resolveram problemas de outros tempos/espaços. Não podem ser esquecidas, mas não podemos matar o novo, o “milagre” que a todo instante brota do coração do ser.

Uma segunda saída, hoje muito em voga, está nos extremismos e no dogmatismo cego que se apega às verdades supostamente religiosas. Digo “supostamente” porque a religião, em sua essência, é caminho de liberdade com o outro no mundo, caminho de religação.

O mundo vive uma onda conservadora que pegou a todos de surpresa. Estamos às portas de uma nova Guerra Fria sem a existência de dois “eixos” tão bem definidos. Nesse conflito, de que lado realmente estamos? Que representa o posicionamento tomado por nós?

Por vezes vemos alguns amigos que assumem posturas que, contextualizadas em outro momento da história, estariam muito próximas dos regimes totalitários e das ditaduras.

A meu ver, aqui está a grande contribuição do questionar filosófico. Ele nos abre ao outro. Uma pergunta agrega e pode unir muito mais que uma resposta pronta e acabada. O princípio da dúvida metódica, quando relacionado às verdades tidas como “intocáveis” e desde que com o devido respeito, deve ser preservado. Sem ele, criamos abismos e impedimos o crescimento na diversidade. Nossa sociedade precisa de muita filosofia para evitar o retorno à barbárie que nunca deixou de nos espreitar.

O educador Mayco Delavy ao lado de estudantes durante aula de campo. Foto: Paulinha Kozlowski.

Você é um grande leitor. Como a literatura entrou na sua vida? E que provocações feitas pelos livros reverberam no seu dia a dia?
Não sou um grande leitor. Exceto pela estatura física (risos), considero-me um leitor mediano. Um leitor esforçado, talvez. Leio todos os dias. Frequento livrarias. Adquiro livros quase toda semana. E isso faz uma grande diferença no modo como lidamos com os pensamentos e sentimentos.

Como a literatura entrou em minha vida? Não consigo precisar muito bem o momento. Acho que foi “quase sem querer”. O “estalo” talvez tenha sido na escola, quando eu estava na 5ª série (6º ano).

A professora de Português, a prof. Cida, nos passou um trabalho sobre literatura brasileira. Como toda boa criança, não escutei muito bem o que se pedia e perdi o papel com as orientações da atividade. Fui à biblioteca e emprestei um livro do Daniel Defoe, Robson Crusoé.  Este foi o livro que mais marcou a minha infância.

As aventuras do Crusoé perdido em uma ilha deserta, partindo da “civilização” de Hobbes para um estado de natureza rousseauniano, aprendendo a conviver e a sobreviver com o simples, realmente mexeram comigo. Li toda a obra em dois dias. Depois a reli. Anotei várias frases, trechos.

No dia da apresentação do trabalho começaram a brotar os Machados, Alencares, Bandeiras e a contextualização com o Brasil. Quando chegou a minha vez, tomei a palavra e falei, falei. Depois de uns 20 minutos, já molhado de suor e terminada a minha apresentação, a professora comentou algo mais ou menos assim: “parabéns. Você não fez absolutamente nada do que era pra ser feito, mas nenhum colega dominou tantos detalhes”.

Aquela frase, um mix de embaraço e elogio, vinda de um adulto que detinha a legitimidade do saber, foi importante na época. Pela primeira vez na vida percebi que era bom em algo. Bom em algo que nem todos eram (por que não queriam, na maioria das vezes).

A educação jesuíta que recebi durante muitos anos também foi determinante para moldar a minha identidade de leitor. Aprendi a ler e a discutir os clássicos, a ler em outras línguas, o que nos abre horizontes de análise de outras culturas e modos de ser.

“Como os livros reverberam” em minha vida? De todos os modos. O senso comum diz que somos “aquilo que comemos”. Talvez em partes. Mas a nossa identidade é moldada, realmente, a partir daquilo que lemos. Uma biblioteca – compreendida em sentido amplo e para além apenas dos livros – é sempre um elemento definidor da personalidade de um ser humano. As páginas rabiscadas, a catalogação em nomenclatura própria, os gêneros textuais, a quantidade e diversidade de autores… As leituras e, muito mais, as releituras, traçam as linhas do texto que somos todos nós.

Falando ainda um pouco da literatura. Como é a sua relação com os livros nas plataformas digitais – como os e-books, etc.? Na sua opinião, essas novas plataformas ajudam a democratizar a leitura
Será que já paramos para pensar no tamanho da angústia existencial do monge copista no momento da criação da prensa por Gutemberg? Foi a possibilidade desemprego à vista (risos). As mídias são mutantes e reveladoras de uma cultura. O livro, tal como o conhecemos hoje, só foi possível dentro de um sistema de mobilidade social um pouco menos rígido que o medieval.

Os primeiros movimentos da burguesia, a circulação de pessoas vendendo e comprando artigos nas guildas e feiras, os avanços tecnológicos alcançados na passagem da Idade Média para a Idade Moderna foram fatores preponderantes para assentar o livro como mídia por excelência na difusão do conhecimento. Transportar o saber por meio de rolos e mais rolos de pergaminhos já não era prático, além de muito oneroso para ser produzido.

Hoje, com a consolidação das mídias eletrônicas em boa parte do mundo “desenvolvido”, vivemos uma passagem epocal semelhante àquela. Perdeu-se um pouco a materialidade “aparente” do saber e, com isso, “democratizamos” o acesso às informações, e também à imbecilidade. Neste sentido, a minha relação com as plataformas digitais é de muita empolgação. Elas nos permitem o acesso rápido e amplo. A mobilidade e diversidade da informação. Mas exigem um leitor muito mais preparado que no passado, capaz de filtrar as informações tornando-as conhecimento; um leitor capaz de discernir a veracidade das informações cruzando dados de várias fontes e encontrando a relação com os fatos.

Além do trabalho no Medianeira, você é professor em escolas públicas. Que diálogo é possível estabelecer entre esses dois universos educativos?
Sim. Desde 2014 eu atuo na Rede Pública Estadual de ensino. O Estado do Paraná regrediu radicalmente na proposição de políticas de qualificação do ensino público. Imagino que vocês devam ter acompanhado todo esse processo.

O trânsito entre esses dois “universos”, a educação pública e a educação Jesuíta, é sempre muito rico e eivado de rupturas.

Aqui no Medianeira nós temos uma proposta clara e um Projeto Educativo Comum que nos é inspirador e balizador de todas as práticas.

A tradição educativa da Companhia tem quase cinco séculos de experiência em Rede e carrega uma identidade de raízes profundas, provada no caminho do discernimento dos espíritos, como nos ensinou Santo Inácio.  Neste universo, fazer educação se aproxima muito do ideal apreendido na universidade e é um constante inovar crítico e criativo, compreendido como serviço compassivo, consciente e comprometido com o mundo, com o outro e com o transcendente.

Já no universo público, temos muito a crescer. O País caminha para a destruição de tudo o que é relacionado à educação pública. As estruturas, de modo geral, são um tanto obsoletas, os materiais um pouco ultrapassados e a ideia de um estudante como “centro de todo processo” de ensino-aprendizagem ainda precisa ser trabalhada exaustivamente com as comunidades docentes – em algumas escolas, claro. A grande riqueza está nos estudantes. O trato diário com esse grupo é gratificante.

Dostoievski sempre colocava as relações humanas como fio condutor da existência humana. Isso parece se perder em nossa sociedade cada vez mais líquida e pragmática. Qual o papel da escola, e também do professor, na formação de estudantes mais compreensivos e compromissados com os demais?
A escola é um dos atores no processo formativo e civilizatório das sociedades contemporâneas. Compõe uma das experiências mais intensas da vida humana, não a única.

Dos 2 aos 18 anos, em média, passamos na escola. Isso significa que grande parte das nossas primeiras experiências de vida, geralmente entre as mais marcantes, se dará nesse espaço: o desenvolvimento de habilidades profissionais, o gosto (ou desgosto) pela leitura, os primeiros amores e desafetos, os melhores amigos, os primeiros fracassos… o reconhecimento dos limites e a noção de deveres se dá nessa microfísica do poder.

No entanto, tudo isso não acontece de modo isolado, mas em conexão com os valores simbólicos defendidos pela família, a sociedade e a cultura. Na somatória de tudo isso, forma-se um cidadão de bem. Não devemos subestimar o grande papel da escola na formação de seres humanos excelente humana e academicamente. Mas também não podemos superestimar esse lugar como se fosse o único. Trabalhamos, sempre, em parceria com outros atores. Em vários momentos, como escola, somos contra culturais ao propormos modelos educativos que defendem o bem-comum.

De sua trajetória no Medianeira, qual o momento mais marcante e/ou emocionante?
Destaco a convivência diária com o estudante, educadores e famílias, os acampamentos do 8º ano, a convivência livre e alegre nas aulas de campo (Campinhos, Jornada Curitibana e Paranaense), as atividades formativas que sempre revelam a profundidade das análises dos nossos alunos.

Chegamos ao fim da nossa conversa. Que dicas de livros, filmes e discos você poderia compartilhar conosco?
Filme:
Into Great Silence, 2007, Philip Gröning.

Livros:
Extinção, Thomas Bernhard.
O Fiasco, Imre Kertész.
Ponciá Vicêncio, Conceição Evaristo.
Massa e Poder, Elias Canetti.
Hieronimos Bosh, The Complete Works, Stefan Fischer (org). Editora Taschen.
Um Amor Feliz, Wislawa Szymborska.
Eles Eram Muito Cavalos, Luiz Rufatto.

Álbuns:
The Freewheelin, Bob Dylan, 1963
The Hours (Music from the Motion Picture), Philip Glass.

Clique aqui para ler o perfil de outros educadores.[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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