Chicho Rehme: Geografia além dos mapas
Com 34 anos de Medianeira, o educador é sempre-aluno e um exemplo de excelência humana e acadêmica.
[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”] O amor pela Geografia nasceu do seu amor pela literatura e do encantamento pelas viagens que fazia com os pais.
Texto e entrevista por Jonatan Silva
Chicho – ou Francisco Carlos Rehme como denuncia a formalidade da carteira de identidade – espera com paciência cada um dos estudantes sentar. Alguns, e não são poucos, vão à mesa cumprimentar o professor. O burburinho faz parte da trilha sonora de qualquer sala de aula, mas não é preciso pedir silêncio. “Tudo vai melhorar na sua vida”, alguém fala para o colega ao lado. O Terceirão não é exatamente uma turma: parece uma espécie de fraternidade cujo objetivo principal está longe de ser o estímulo à concorrência
A voracidade dos jovens, que neste ano prestam vestibular, se acalma à medida em que o professor passa pelos estudantes, já sentados, e chega próximo ao quadro. “Hoje vamos ver massas de ar, um assunto que me escapou, mas vai cair na Federal”, anuncia enquanto desenha o Brasil no quadro. Massa Tropical Continental. Massa Polar Atlântica. Massa Equatorial Continental…
“Onde”, diz Chicho, elucubrando a questão, “no Brasil, ocorre a massa tropical continental?”. Como em respeito a uma dúvida solene, os futuros calouros fazem um minuto de silêncio. Pouco a pouco ouvem-se respostas. Certas e erradas, as réplicas tomam conta da sala e o professor sorri – consciente de aquele triunfo, uma conquista cotidiana e real, também lhe pertence.
* * *
O termo lunático, assim como loucura e louco, é derivado de Luna, palavra latina para Lua. Aristóteles acredita que a Lua era capaz de gerar a insanidade. Na mitologia grega, é na Lua cheia que o lobisomem aparece. “Não deixem de olhar a Lua, pelo amor de Deus”, apela o professor quando a aula já está avançada e o assunto é a chuva. A fascinação de Chicho pelo satélite é um pouco diferente. À parte das lendas, o educador observa a Lua como testemunha das loucuras do homem.
“A Lua vermelha”, explica, como se a voz carregasse um trovão, “é bonita, mas significa falta de chuva e poluição.” E faz um parêntese para remeter à Lua de Sangue, fenômeno ocorrido no dia 27 de julho e considerado o “eclipse lunar de maior duração da história da astronomia no século 21”, como explica a revista Galileu, com duração de 43 minutos.
As reviravoltas dos temas trabalhados em sala são as artimanhas de um professor com 34 anos de casa – onde também foi estudante entre 1970 e 1981 – e chegou a lecionar Ensino Religioso e História. “Quando eu podia, eu “roubava” a aula de História e Ensino Religioso e transformava em Geografia. A minha formação era essa, né?”, comenta, misturando as palavras à uma gargalhada estudantil. A caminhada, da carteira ao quadro negro, não foi acidental.
Antes de assumir duas turmas de 5ª série, atual 6º ano, e como muitos dos colegas, Chicho foi sabatinado pelos professores Rudi Rabuske, Marcelo Knaut e Vanderlei Navarro, três figuras que hoje habitam a mitologia do Medianeira. Naquele momento, passava a fazer parte do “grupo das humanas”.
Para conhecer mais sobre a história – e a geografia sentimental – do professor Chicho, leia abaixo o bate-papo com o educador.
Por que o professor de Geografia também lecionava Ensino Religioso?
Eu suponho que a lógica seja, mais ou menos, a seguinte: o aluno vinha até a 4ª série com uma professora – na verdade, acho que na 4ª série já tinha três, uma para Ciências, outra para Língua Portuguesa e uma última para Matemática, além de Artes e Educação Física, é claro – e, para não passar de uma vez só para nove professores, acabava tendo uns cinco professores. Português e Inglês, normalmente, eram uma professora ou professor; Matemática e Ciências, às vezes, ficavam separadas; e Geografia, História e Religião formavam o grupo das humanas.
O número de professores em cada turma, naquela época, era menor, por isso, você criava um laço muito forte com eles. E quando eu podia, eu “roubava” a aula de História e Ensino Religioso e transformava em Geografia. A minha formação era essa, né? (risos) Hoje trabalha com História quem é formado em História. Tem a questão de todas as categorias de História. É um pouco diferente do ensino da Geografia, por mais que existam similaridades. E o mesmo vale para Religião e Filosofia.
Foi assim [/fusion_builder_column][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][que eu cheguei aqui no Medianeira]. Eu tive duas turmas inesquecíveis. Praticamente tenho a escalação delas de cabeça. Eu lembro de muitos deles. Nos anos seguintes, eu criei laços ainda mais fortes. Alguns estudantes vieram até a ser professores aqui. Teve o Guilherme Schuli, que hoje está na Embrapa, mas foi professor de Biologia e Ciências; um pouco mais adiante o Leandro Guimarães de Geografia. E teve também o Felipe Damaso, que foi aluno e professor aqui no Medianeira e hoje trabalha em Jaraguá do Sul.
Com oito anos de idade eu brincava com os mapas que vinham na Coleção Geografia Ilustrada, da editora Abril, e ficava jogando dadinhos para ver em que país caía.
Como foi a sua descoberta da Geografia? Algum professor influenciou você?
Acho que foi mais a influência do meu pai, que não era professor e nem geógrafo. Ele era contador e trabalhava em uma indústria madeireira. Eu acompanhava algumas viagens. E quando a gente começa a fazer viagens e a olhar para fora da janela – porque naquela época não tinha a telinha do celular para olhar para dentro – a gente olhava o mundo. E é difícil não se encantar com esse Brasil.
E as primeiras viagens de avião, então? Eu enxergava a paisagem como via no mapa. As coisas aconteciam em simultâneo. Junto com isso tinha uma literatura específica que eu era muito amarrado. Tinha a literatura de quadrinhos, principalmente. E nós tínhamos também As Aventuras de Tintim. O tempo todo eram missões em lugares diferentes. Tinha também Asterix, o gaulês. Eu li muito Júlio Verne. Aquela turma d’A Ilha do Tesouro, o Stevenson. Era uma literatura de aventura, e a aventura acontecia em viagens. Cinco semanas em um balão, A Ilha misteriosa, A Volta ao mundo em 80 dias, 20 mil léguas submarinas, Viagem ao centro da Terra – por isso acabei indo para a caverna (risos). E isso tudo acabou criando um universo na minha cabeça.
Eu já tinha conhecimento de certos lugares. Não sei porque cargas d’água, mas talvez por conta da soma toda dessas coisas, inclusive das viagens, com oito anos de idade eu brincava com os mapas que vinham na Coleção Geografia Ilustrada, da editora Abril, e ficava jogando dadinhos para ver em que país caía. Aí, eu olhava e anotava na tabela as capitais. E eu memorizava. Com oito ou dez anos de idade eu sabia as capitais do que sei hoje.
E, claro, eu tive professores que me agradavam a conversa, o ensino. Por exemplo: o professor Marcelo, o professor Teobaldo que foram os meus primeiros contatos na Geografia.
De que maneira você descobriu que queria ser professor?
Eu não tinha essa intenção [de ser professor]. A minha ideia era ser geógrafo. Eu fui geógrafo, por alguns anos, simultaneamente às aulas. Algumas vezes fiz trabalho de bacharel, fui pesquisador, principalmente no campo da Geografia Física, na Serra do Mar, com relevo, e trabalhei com cavernas na paisagem calcária, na paisagem carstica (saiba mais aqui), onde eu ajudei a fazer, com um grupo chamado Grupo de Estudos Periódicos do Paraná, o levantamento das cavernas do estado.
Quando eu comecei a estudar Geografia tinham muitos colegas, muito parentes – naquela época a gente tinha muitos irmãos, muitos primos – que queria fazer vestibular logo em seguida [do Ensino Médio]. Aí, juntava essa garotada na garagem lá de casa e fazia revisão de Geografia. Eu preparava o material com apostila feita à caneta para preencher. A gente tinha um quadro negro e ficava lá, fazia uns debates. Acho que isso foi um ensaio para dois anos depois começar, de fato, e ficar esses trinta e tantos anos.
Quem acompanha as suas aulas percebe que você possui uma relação de troca com os estudantes. Como vencer a concorrência com os celulares, tablets e outras tecnologias na mão dos jovens?
Eu não tenho a ilusão de que não usem. É dar murro em ponta de faca. Acho que dá para utilizar essas plataformas com outras finalidades. E muitos estudantes já me ajudaram, iam lá [no Google] e consultavam, pegavam imagens. Quer dizer, é uma ferramenta boa.
Se você está olhando o WhatsApp, em 2018, e 30 anos antes estava fazendo um bilhetinho em um papel e esse papel viaja pela sala de aula no correio interno – o que não acontece mais, já que é só digitar com o polegar, e eu invejo a movimentação muscular dos polegares dessa juventude (risos) – não tem tanta diferença. Eu acho é que o mundo talvez tenha mais dispersões, mais distrações, mas não me atrapalha.
Pensando ainda na questão do estudante: quais a diferenças entre o seu momento como aluno e o cenário que você vivencia como professor?
Fisicamente. O bloco em que eu dou aula atualmente, que é o bloco do Ensino Médio, não existia. Quando eu estou saindo do Medianeira estão começando a levantar as colunas do Ensino Médio. O ginásio de esportes mais novo também não existia. Eu ainda me lembro do campão de Futebol aqui de baixo como um lugar em que havia vaca. Eu me lembro: um pouco de mato, a área alagadiça do Rio Belém. Nós chegamos a fazer aula de Educação Física ali. E na Olimpíada o professor Chicão chegou a instituir uma modalidade chamada Cross Country. Nunca vi isso em olimpíada nenhuma, mas no Medianeira tinha. E era a coisa mais bacana: uma corrida com obstáculos da natureza.
Do tempo de aluno, e do tempo atual, acho que tem algumas coisas que eu ainda sinto que fazem parte do clima [institucional]. Uma relação de, não se é pertença, mas uma certa liberdade de diálogo entre professor e aluno, aluno e outras instâncias da escola. Hoje, a gente vive um contexto político complicado, tem que medir as palavras, medir os pensamentos, mas às vezes não dá.
Dessas viagens que você fez com seu pai, houve alguma que marcou profundamente?
Vitória, no Espírito Santo. A primeira mais longa e a primeira em que viajei de avião. Na época, viajar de avião não é como é hoje. Eu viajei num bimotor da Varig e depois em um com quatro motores Electra. Já existiam aviões a jato, mas era mais comum viajar assim. E os aeroportos nem comportavam aviões a jato. Meu pai ia a trabalho, mas a gente sempre tinha momentos para fazer passeios turísticos.
Teve outra vez também. Acho que foi em 1975. Eu tinha uns 10 ou 11 anos. Meu pai precisar ir para Goiás, no interior, numa região que tinha relações com madeira, tipos de árvore que eram exploradas pela indústria madeireira. Eu o acompanhei e para o interior de Goiás fomos em um aviãozinho, um teco-teco. O local em que paramos, Leonino Caiado, era tão pequeno que se baseava em uma ou duas ruas, ao longo das quais se estabeleciam as casas.
O fato é que não tinha aeroporto e o avião pousava em uma estradinha de chão. O que eu me lembro é que, naquele avião você está ao lado do piloto, ao pousar vinha um carro na contramão. Um jipe ou coisa parecida. A sensação que eu tive foi o susto do motorista do jipe. Não se, por medo ou por estratégia de manobra, ele joga o carro par ao lado para um declive. Eu me coloco na posição dele: você está em uma estradinha e vem um avião (risos).
Voltando para a literatura. Chicho, você foi premiado em um concurso de poemas. Que memórias você guarda desse momento? Na entrega estavam Paulo Venturelli, professor do Medianeira à época, e o poeta e educador Leopoldo Scherner.
Aí está a semente de acabar trabalhando em sala de aula. Ela demorou para brotar, mas estava lá. A gente tinha na figura do professor, e não só o Venturelli, mas ele extraordinariamente, a ideia de alguém que conhecia muito bem determinada área do conhecimento, e que era capaz de fazer desta área um diálogo entre diversos campos. Com a música, por exemplo, – e nessa época a gente começava a lidar com a letra da música – existia a ligação com a poesia. Com a leitura de romances clássicos. Eu fui apresentado, primeiramente, em casa com o pai e com a mãe, mas principalmente com o pai, e depois com o Paulo Venturelli nas obras do Machado de Assis, do Balzac e do Dostoievski.
Já fazia um ano e meio que eu estava escrevendo. Eu cursava o 2º ano do Científico, o Ensino Médio, e as minhas primeiras poesias eram horrorosas, mas o professor incentivava. Lia. Devolvia. Ele fazia questão. E a coisa foi melhorando.
Eu participei de um concurso quando estava com 15 para 16 anos, mandando dois poemas. E eu colocava mais fé em um deles, que era mais estético, um poema que podemos dizer meio concretista. As palavras tinham uma posição certa no papel e a ideia era divisores, o mundo divido. Era a Guerra Fria. E o poeta era neutro. Eu acreditava que poderia haver neutralidade, mas eu não tenho a mínima dúvida de que isso não existe.
O segundo poema, que eu tenho na cabeça até hoje, foi o que me disseram que estava entre os três primeiros, terceiro lugar (risos). Acho que o pessoal curtiu a mensagem. E que era assim:
Uma estranha morte na cidade
No IML
Lhe abriram o peito
E no coração aberto
Que sangrava
Encontraram um resto de voz.
Pouca gente sabe, mas você teve uma banda com o professor Mauro Braga. Como foi essa experiência? Qual era o seu instrumento?
Depois que eu saí do Colégio a gente tinha uma banda de rock progressivo, e ela vai persistir por três ou quatro anos. O Mauro era o cabeça do grupo. Eu e o outros éramos coadjuvantes. A banda se chamava Chá da Serra e foi uma referência para a nossa vida. Aliás, até hoje a gente se encontra. Temos um encontro mensal, pelo menos.
Eu tocava percussão. Tinha um baterista, mas eu fazia percussão metálica. Eu tocava uma placa de zinco, que eu agitava e fazia um som de vento forte e trovoada. No rock progressivo isso caía bem e tinha um efeito estético. A banda durou de 1981 a 1984. Quando cada um foi pegando outros trabalhos a banda acabou.
A gente tocou em teatros. No Guairão, no TUC, no Paiol. No Guairão foram umas duas ou três vezes. Tocamos em mostras de música paranaense.
Além da literatura e da música, você é apaixonado por futebol. Como é a relação da Geografia com o esporte?
Sou aficionado, mas não sou um bom jogador (risos). Eu gostava de jogar no gol. Quando eu era estudante aqui no Colégio Medianeira fui goleiro de Futebol de Salão em algumas Olimpíadas e levei algumas medalhas. Depois eu descobri que goleiro de Futebol de Salão leva muita bolada. Foi um pouco tarde demais. Aí, eu fui para a linha para me salvaguardar um pouco. E Futebol e Geografia tem relação.
Era isso que eu ia te perguntar. Quem escutou o nosso podcast sabe dessa ligação. Como é que é?
Se eu tenho um Campeonato Brasileiro – por mais que ele seja muito mais presente no sudeste e isso por “n” razões – você tem uma realidade cultural do nordeste, da Amazônia, do Sul… E você acaba viajando pelas capitais e pelos estádios de futebol, pela sua tradição e pela sua torcida.
Quando você pensa isso em um nível mundial, Panamericano, Copa do Mundo, Olimpíada, isso aí, nossa… Desde criança eu gostava muito de Copa do Mundo. Assisti primeiro a Copa de 70, que iniciou a transmissão ao vivo, ainda em preto e branco – embora poucos lares tivessem TV colorida em 1974. Aquilo foi muito forte, estava amarrado na gente. Não tinha como olhar para um álbum de figurinha da Copa de 74 e ter lá a página do Haiti e não associar com o mapa, lá no Caribe, na América Central. Tinha o Haiti, tinha o Zaire. Eu sempre tive a tradição de torcer para os pequenos, por isso que eu torço para o Coxa.
Vemos a questão de mobilidade urbana, sustentabilidade e outras demandas sendo destacadas pela mídia. Na sua análise, qual é a maior necessidade neste momento em termos de qualidade de vida?
Em Curitiba, talvez, de derrubar os muros que separam e que segregam espacialmente. Você tem lado a lado Curitibas diferentes. Eu vou estender para a região metropolitana, mas tudo bem, porque ela existe em Curitiba. Nós estamos em um lugar que é nitidamente isso: o Guabirotuba, o Jardim das Américas e o Prado Velho. O Medianeira e a vila ao lado são separados por um “Muro de Berlim”. Ou por um “Muro da Cisjordânia” ou pelo muro do Trump.
E aí, não estou dizendo que é culpa de A ou culpa de B. É uma questão histórica, econômica, e ela tem que ser rompida. Se fosse para eleger uma demanda, em Curitiba, são as contradições. Elas são vergonhosas. Quando eu era estudante chamavam o Brasil de “Belíndia”, uma mistura de Bélgica e Índia. Hoje não dá mais para usar porque a Índia já não é mais a do meu tempo. Ela também tem contrastes horrorosos, mas é um dos países que mais se desenvolve e é uma potência a caminho. Como a China também já se caracteriza [como uma potência a caminho].
O Brasil de hoje me pega de um lado a Noruega e do outro o Chade. Fica o Norade, então. São extremos muito gritantes. Aí, você pega um Alphaville e a Vila Zumbi. O que separa um do outro, além da BR-116, é o Rio Iraí. Separa fisicamente. A outra separação é muito maior.
Curitiba teve ímpetos ecológicos, mas uma ecologia cosmética. Não há dúvidas de que a quantidade de árvores por habitante se destaca em Curitiba, mas tem cidade do interior do Paraná, como é o caso de Maringá, até com mais do que isso.
A Geografia pode ser muito segregadora.
E ela foi usada para isso. O desenvolvimento da Geografia nos séculos XIX e XX aconteceu muito em função do territorialismo, das potências, do domínio territorial, das riquezas, da obtenção de recursos minerais. Mas ela não é só isso, não. Tanto que tem uma grande obra clássica que é A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.
Não é à toa que os melhores mapas, topograficamente falando, estão com o exército. Eles têm mapa que são de uma precisão, de uma agudez. São mapas muito bem elaborados e que pertencem às Forças Armadas.
Chicho durante aula com o Terceirão.E qual conclusão podemos ter de Curitiba: ela é mesmo tudo aquilo que a propaganda diz? Curitiba é mesmo a cidade sorriso?
É um sorriso amarelo. Curitiba teve ímpetos ecológicos, mas uma ecologia cosmética. Não há dúvidas de que a quantidade de árvores por habitante se destaca em Curitiba, mas tem cidade do interior do Paraná, como é o caso de Maringá, até com mais do que isso. É verdade que certas relações com parques são muito fortes, principalmente da década de 1970 em diante. Porém, também é verdade que tem outras questões fundamentais em ecologia. A ecologia é também humana.
Os rios de Curitiba continuam, infelizmente, contaminados. Houve uma ou outra melhora quando vai aumentando a rede de esgoto, mas ainda tem muita intoxicação nas águas. E não é só isso. Ecologia também é uma questão de você ter qualidade de vida para a população. E vamos ter diferentes níveis de qualidade de vida: seja ela pelo nível de poluição atmosférica, seja pelo acesso aos bens, de alimentos e emprego. Isso também é ecologia.
Em um momento cujo discurso está impregnado de radicalismo e extremismo, como a Geografia pode apaziguar os ânimos?
Isso é importante mesmo: você tentar mediar algo. Na História nós temos exemplos que de que os extremos vão, de um lado para o outro, batendo cabeça. A questão de você poder interpretar o espaço da relação humana com o meio e das possibilidades alternativas que possam incluir mais a população e buscar possibilidades em que exista agregação maior de pessoas e dos direitos, direito à cidadania, se expressar, aprender, ter alimentação, poder andar na rua sem receio.
Que tal deixar uma dica de filme, livro e disco?
– Livro: Os Miseráveis, de Victor Hugo.
– Filme: Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola.
– Disco: Clube da esquina 2, de Milton Nascimento.[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]