11.10.12

Pertencer

A minha alucinação

É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais…”
Ítalo Calvino, na contracapa de As cidades invisíveis, diz que “se este continua sendo para mim aquele [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][livro] em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjeturas”. Ainda sobre as cidades, em Seis propostas para o próximo milênio, Calvino afirma que é o local que lhe permite “maiores possibilidades de exprimir a tensão entre a racionalidade geométrica e o emaranhado das existências humanas”.
Essa perspectiva sempre me fascinou, desde os tempos que eu era estudante e li num livro didático que o bonde passava cheio de pernas. Quem sabe por ser muito curiosa, ressoava Drummond e me perguntava “Pra que tanta perna, meu Deus (…)”. Naquela época nem imaginava a cidade como um ser social, e hoje fico feliz em poder questioná-la a partir da própria coletividade que a institui e a transforma continuamente.
Num brevíssimo recorte histórico, percebemos que até os anos 1950 as cidades ocidentais ainda eram consideradas um fenômeno tanto científico quanto extraordinário – embora Engels já denunciasse a situação das classes operárias na Inglaterra no século 19. Nas décadas seguintes a investigação sobre as cidades se volta para a ideia de urbanização global.
No final do século 20 essa visão crítica, em escala mundial, cresce e a cidade passa a ser vista mais como um problema que solução. É também da virada do milênio a constatação de que a desterritorialização e expansão mundial do capitalismo crescem paralelamente à criação e/ou reprodução de desigualdades em escala global. Isto é, as mesmas forças empenhadas na globalização provocam forças adversas; recriam e multiplicam tensões; fazem surgir diversidades e desigualdades no mundo conectado.
Em Curitiba, claro, toda essa movimentação não foi diferente; pelo contrário, a capital paranaense e sua incipiente região metropolitana estiveram próximas de triplicar sua população entre 1970 e 2000. Poderia passar o resto do texto citando as consequências desse rápido e desordenado processo de urbanização, mas o que me interessa é pensar por quem e para quem a cidade passa a ser ocupada.
A ideia estava posta e o prazo desta publicação se aproximando.
Eis que hoje cedo, vindo para a escola, lembrei-me de um relato de Dickens sobre o amanhecer em Londres em 1835:

(…) Há um ar gelado e uma solitária desolação sobre essas ruas silenciosas. Ruas que estamos acostumados a ver superlotadas em outros horários do dia por uma gente ocupada e ansiosa. É surpreendente observar o dia começar, a vida fervilhar e o alvoroço instalar-se ao redor dos prédios trancados e emudecidos.
O último bêbado, que deveria ter achado o caminho de casa antes do dia raiar, ainda cambaleia pesadamente, ecoando com sua voz roufenha os sons da bebedeira da noite anterior. O último vadio sem-teto, que a pobreza e a polícia deixaram pelas ruas, tenta se proteger do vento em alguma esquina, encolhendo os braços e as pernas, para sonhar com uma boa comida e uma cama quente. Os bêbados, os esbanjadores e os desprezados desaparecem. A parcela mais sóbria e ordeira da população ainda não acordou para os afazeres diários e a placidez da morte paira sobre as ruas. É impressionante fazer parte de tudo isso, assim paralisado e inerte como eles, a observar a luz cinza e sombria do alvorecer.”

 
Heureca!
A associação se deu muito menos pelo citymarketing de uma Curitiba europeia, londrina e cinzenta, senão por relembrar que lá nos primeiros sítios arqueológicos, após certo tempo de exploração do território, os recursos naturais se esgotavam e os moradores migravam deixando as outrora “cidades” como espaço de mortos. Vem-me à cabeça que as cidades hoje voltaram a sua condição inicial, já que os locais públicos são habitados pelos mortos, por aqueles que não se adéquam à ordem vigente. Em suma, um enorme contingente de excluídos do sistema do capital. Desde Dickens.
Ainda no mesmo emaranhado de pensamentos sobre os grandes centros urbanos, é possível retomar a sua condição de aldeia: povoação de pequenas proporções, menor do que a vila. Já que, mesmo globais, os cidadãos cada vez mais se fecham em pequenas aglomerações vigiadas por todos os lados com medo do bárbaro, do diferente.
Curioso é pensar que essa subdivisão de espaço processa-se também, e naturalmente, até os cemitérios. Há os túmulos sofisticadíssimos, monumentais, verdadeiros edifícios luxuosos com materiais perenes; a classe média, por sua vez, tenta agrupar seus mortos no interior das quadras com túmulos cujos modelos são produzidos em série e baseados na cópia dos padrões elitistas. E por fim as fossas comuns, próximas aos muros, são destinadas à massa dos menos favorecidos.
Novamente Dickens exemplifica essa “cidade dos mortos-vivos” em seus Retratos Londrinos:

É estranho como um homem, seja ele bom, mau ou irrelevante, pode viver e morrer em Londres sem se fazer notar e sem despertar qualquer simpatia no coração de qualquer pessoa. Sua existência não é motivo de interesse para ninguém a não ser para ele mesmo. Não se pode dizer que esse cidadão foi esquecido ao morrer, porque nunca foi lembrado quando vivia. (…)”.

É época de eleição e é provável que os dois extremos, aqui chamados de vida e morte, estejam destacados por isso. Concordo com o analfabeto político da Martinha, mas percebo também um anseio pela reocupação do espaço público – de fato ainda com um caráter individualista e “de costas” para o legislativo. Será um desejo pessoal ou realmente um movimento que engatinha nos curitibanos?
Letícia Magalhães

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