Jarid Arraes: “podemos e precisamos contar a nossa História”
Escritora usa o cordel para regaste de mulheres negras fundamentais na História do Brasil.
[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”] Jarid: “Eu tenho muito amor pelo cordel, acho que é uma literatura que precisa ser tão valorizada quanto qualquer outro tipo de literatura”. Foto: Divulgação.
Por Jonatan Silva
Inspirada pela busca de suas próprias raízes, a escritora e jornalista cearense Jarid Arraes decidiu usar a literatura de cordel para contar e recontar a vida de mulheres negras como maneira de “esticar um pouco mais o campo de visão a respeito da História do Brasil”.
Em um país no qual 93% dos autores são brancos, a literatura produzida por negros grita por mais voz e espaço. Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis (clique aqui para ler a resenha) e As Lendas de Dandara (clique aqui para ler a resenha) são importantes manifestações de sobrevivência e resistência.
Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho realizado por Jarid Arraes, leia o bate-papo com a escritora, convidada da Festa das Linguagens do Medianeira (FLIM) em 2017.
Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis é um manifesto de sobrevivência de histórias que, até então, pareciam esquecidas, mas que precisam ser lembradas. Como foi o processo de pesquisa e escolha dessas “personagens”?
Tudo começou com a minha busca pessoal por entender e conhecer minhas origens negras. Eu não tinha referências, nunca tinha ouvido falar de sequer uma mulher negra na escola e nem na mídia eu via mulheres negras que marcaram nossa História sendo mencionadas. Então parti numa busca solitária, pesquisando, até encontrar os primeiros nomes que transformei em folhetos de cordel. A medida que fui publicando e as pessoas comprando e lendo meus cordéis, os próprios leitores passaram a sugerir novos nomes. Eram mulheres negras das regiões onde os leitores moravam e a lista foi crescendo. Quando completei 20 biografias escritas, depois de vender mais de 20 mil cordéis em apenas 1 ano, pensei que seria incrível juntar essas histórias num livro e oferecer um material mais resistente, até mesmo para as escolas.
Para o livro, escolhi Heroínas de diferentes estados e regiões do Brasil, e também que lutaram em frentes diferentes. Desde quilombolas e guerreiras, até jornalistas e escritoras. Acho que o Heroínas Negras Brasileiras nos mostra que o heroísmo das mulheres negras está presente em toda nossa História, em vários lugares, e que são muito inspiradoras para todos, independente de cor e origem.
Na apresentação do livro, a professora Jaqueline Gomes de Jesus diz que você conta sem intermediários esses relatos do protagonismo negro. Por que é importante que não exista a figura dos moderadores para que essas biografias sejam contadas?
Acho que nós podemos e precisamos contar a nossa própria História. E isso nos foi negado por muito tempo, desde o período da escravidão. Por isso, não encontramos as histórias dessas Heroínas Negras em livros escolares, na mídia ou na universidade. Não encontramos porque nós não tivemos acesso a elas, não pudemos contá-las e esticar um pouco mais o campo de visão a respeito da História do Brasil.
Aprendemos coisas absurdas na escola. Eu aprendi, por exemplo, que os negros se conformavam com a escravidão, que não reagiam. E só adulta fui descobrir que essa é uma mentira gigantesca e terrível. Só adulta descobri a quantidade enorme de quilombolas e lutas contra a escravidão. E só adulta descobri que mulheres negras foram rainhas, guerreiras e líderes dessas lutas também.
Agora que temos mais meios para contar nossa própria História, essas injustiças narrativas vão se desfazendo. Ou melhor, sendo destruídas. E eu espero que trabalhos como o meu possam inspirar a todos, para que aprendam uma nova lógica de contar histórias, para que saibam que na realidade ou na ficção, pessoas negras, mulheres negras, podem ser protagonistas, figuras de destaque, que merecem ser registradas na literatura e na História.
Você nasceu em uma família de cordelistas, no entanto, a literatura de cordel é uma manifestação artística que também sofre um processo de invisibilização. Como manter a tradição e fazê-la despertar interesse nos mais jovens?
Acho que tenho feito um bom trabalho em despertar o interesse das pessoas para o cordel. Como meus temas são novos e minhas histórias trazem muita diversidade, muita gente se identifica com elas. Isso acorda o interesse, a curiosidade. E é incrível quando viajo pelo Brasil, dou oficinas de cordel, e pessoas que nunca leram ou escreveram cordel conseguem criar duas ou mais estrofes com toda rima e métrica que o cordel pede.
Eu tenho muito amor pelo cordel, acho que é uma literatura que precisa ser tão valorizada quanto qualquer outro tipo de literatura, em pé de igualdade, não como algo “folclórico” e que, por isso, é considerado menos literário, menos digno das livrarias, das feiras e eventos literários.
Claro que temos muito o que caminhar. Até mesmo no próprio meio do cordel o mais do mesmo se repete. As mesmas pessoas são convidadas e reconhecidas, geralmente homens, e os mesmos temas de histórias se repetem, muitas vezes com muito machismo, racismo e homofobia. Mas eu tenho confiança no meu papel, que posso ajudar a criar uma nova lógica. Tenho toda a intenção de apoiar e estimular mais mulheres a escreverem, publicarem. A gente vai construindo, juntas, o que deveria ser a realidade na maioria das vezes.
[/fusion_builder_column][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”] “Só adulta descobri a quantidade enorme de quilombolas e lutas contra a escravidão”, afirma a autora. Foto: Divulgação.
Cada vez mais a literatura produzida por mulheres tem recebido espaço e reconhecimento. Isso está acontecendo também com as escritoras negras?
Acho que as coisas começaram a se mexer um pouco mais. Fruto de muita luta, de muitas críticas, de muito enfrentamento. Precisamos nos manter assertivas e firmes para que essas mudanças reverberem e não se percam no momento. Mas ainda assim temos muitos desafios. O mercado editorial é completamente podre, todo marcado e influenciado pelas influências, por quem tem mais dinheiro, por quem se enquadra numa aparência física ideal – que, na maioria das vezes, é a aparência de um homem branco. Sempre cito a pesquisa da professora Regina Dalcastagnè, da UnB, que mostra que mais de 93% dos autores publicados no Brasil são brancos. Isso é gritante, absurdo. Isso não acontece porque pessoas negras não escrevem, mas sim porque as editoras só abrem as portas para o mesmo tipo de pessoa que escreve o mesmo tipo de literatura. É uma repetição sem fim, uma falta de criatividade sem fim.
A sua literatura possui um forte caráter combativo. Quando você se deu conta de que literatura poderia ser um instrumento contra a discriminação e o preconceito?
Na verdade, toda literatura é política, mesmo que não saiba. O fato de que a maioria dos protagonistas de livros são brancos é político. Isso é racismo. O fato de que as editoras publicam menos mulheres, principalmente brasileiras, também é político. É machismo. Então estamos fazendo e escrevendo coisas que são reflexo da sociedade e que reforçam esses problemas sociais o tempo inteiro. A diferença é que tenho muita consciência disso, sei muito bem do impacto social que a literatura tem e qual é meu papel nisso tudo. É uma tristeza que tantos autores finjam não saber, se recusem a reciclar a criatividade e buscar novas referências.
Como a escola pode contribuir para esse debate?
Acho que a escola precisa renovar suas escolhas de leitura, buscar livros com os quais os alunos consigam se identificam e possam ver toda a diversidade e complexidade que existe no Brasil, na literatura e em nós. Isso faz com que os estudantes tenham mais conhecimento, mais perspectivas, mais habilidade para escreverem coisas criativas, novas, diferentes, empolgantes. Não é a toa que tantas crianças e adolescentes detestam ler. Eles não se enxergam nesses livros, eles querem coisas novas. A escola precisa disso. Todos nós precisamos. E claro que isso passa pela formação dos professores. Como os educadores incluirão um material diferente se eles não sabem onde encontrar, se a escola não tem recursos, se eles também não aprenderam nada sobre aquilo? É um quadro complicado, mas tenho visto a ação de professores que buscam a mudança e que são tão inspiradores. Os professores são os principais apoiadores do meu trabalho e eu sou imensamente grata por isso. Quem dera eu tivesse sido uma dessas estudantes que hoje pode conhecer as histórias das Heroínas Negras Brasileiras. Muita coisa teria sido diferente e melhor na minha vida.
Nas últimas semanas diversos levantes racistas e xenófobos foram registrados no Brasil e no mundo. Por que, apesar de tanta informação e conscientização, ainda vemos grupos extremistas ganhando força e espaço?
Acho que toda essa informação não está realmente acessível e as pessoas se recusam a olhar os outros com humanidade. Um supremacista branco não entende que uma pessoa negra pode lhe ensinar coisas, lhe inspirar, lhe encorajar. Mas essas ideias racistas têm História, elas existem há muito tempo e não foram realmente combatidas pelas “autoridades”. Quando a escravidão foi abolida no Brasil, o que aconteceu há pouquíssimo tempo, nada foi feito para que a mentalidade racista que causou a escravidão e que se reforçou a partir da escravidão fosse combatido. Até hoje as pessoas falam coisas que eram faladas em 1700.
Precisamos conversar com as pessoas e mostrar que quando um grupo ganha direitos que antes não tinha, isso não tira os direitos dos outros. Pelo contrário, mais direitos, mais justiça, mais equidade, isso traz benefícios para todos. É assegurando os direitos de todos que asseguramos os nossos próprios direitos.
Serviço
Conversa com Jarid Arraes | FLIM
Local: Tenda Arena | Colégio Medianeira
Quando: 8 de novembro
Horário: 10h20
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